segunda-feira, 15 de junho de 2009

A polémica em redor do TGV

O mero facto da questão estar ao rubro e estarmos em proximidade de eleições recomendaria adiar as decisões para depois das eleições. Não obstante tentarei analisar o mais imparcialmente que me for possível os argumentos relativamente ao TGV que tem sido os mais variados.
1. Uma primeira linha de argumentos (a favor) respeita à necessidade de investimento seja por razões conjunturais seja estruturais. Quanto ao argumento conjuntural, o mesmo parece-me particularmente irrelevante pela simples razão que estamos a falar de um investimento cujo prazo de execução se prolongará por vários anos e em que, por exemplo, no eixo Lisboa-Madrid o pico da construção será nunca em 2011 e 2012 (ano em que o impacto estimado no PIB será cerca de 1,6% do PIB concentrados na construção que registaria um acréscimo do VAB próximo dos 9%). Quanto às razões estruturais o argumento parece ser o de que o problema de Portugal será a falta de investimento, ora mesmo que assim fosse (e para mim está por demonstrar que assim seja, tendo a pensar que o problema é sobretudo de falta de poupança e de baixa produtividade e sinceramente não vislumbro qualquer contribuição significativa do TGV para estes aspectos) este argumento peca por presumir que qualquer investimento é por definição bom e necessário não atendendo à possibilidade de investimentos alternativos.
2. Uma segunda linha de argumentos (a favor) prende-se com razões estratégicas, nomeadamente a famosa ligação à rede de alta velocidade europeia. Devo confessar que por natureza desconfio sempre das chamadas "razões estratégicas" que geralmente me soam a "falta de melhores argumentos" (ver ponto 4 adiante), mas no caso em particular e atendendo à nossa situação periférica duvido muito das vantagens de estar ligado por TGV a, por exemplo, Helsínquia se por razões de competitividade ninguém utilizar o TGV para fazer esse percurso.
3. Uma terceira linha de argumentos (contra e a favor) prendem-se com questões financeiras dividindo-se o país em dois grupos: os que acham que o investimento é insuportável e os que pensam que o investimento não é tão significativo como isso. Tratando-se de um investimento que, de acordo com números utilizados num estudo da UCP de 2006, terá um custo aproximado de 7.500 milhões de euros (4.655 milhões para a linha Lisboa-Porto e 2.918 milhões para a linha Lisboa-Madrid) estamos a falar de valores que corresponderão a cerca de 5% do PIB o que significa que provavelmente ambos os argumentos estarão errados. Não me parece (antes pelo contrário) que seja impossível ou exageradamente dificil financiar o projecto (para demais atendendo a que o projecto será co-financiado por fundos comunitários) mas o investimento é claramente avultado e mesmo em percentagem do PIB e dividido pelos anos de construção corresponde a valores não dispiciendos (note-se, aliás, que se assim não fosse não se justificaria o argumento da sua relevância conjuntural/estrutural) e carece, em qualquer caso, de uma análise custo-benefício que deve ser particularmente rigorosa. Traçando um paralelo não é só pelo facto de dispor de recursos (ou mais propriamente de acesso a crédito) para adquirir um carro topo de gama ou ir de férias para a Polinésia francesa que essa decisão de compra se torna uma decisão acertada. É obvio que essa decisão implica abdicar de todas as utilizações alternativas que poderia fazer desses recursos (e isto será provavelmente verdade mesmo para pelo menos uma parte do co-financiamento comunitário que poderia ser renegociado e redirigido para outros projectos). Por outro lado, conto-me entre os cépticos quanto à possibilidade da linha Lisboa-Madrid cobrir os custos de exploração, o que se traduziria num encargo adicional para as finanças públicas ao longo de várias décadas.
4. O quarto argumento é provavelmente o menos debatido mas que mereceria outro destaque e na minha opinião deveria ser decisivo e prende-se com a rentabilidade económica do projecto. Devo confessar que tive alguma dificuldade em encontrar valores, mas depois de "penar" por várias páginas da RAVE (http://www.rave.pt/) encontrei alguns dados interessantes que apontam para que (considerando um taxa de desconto entre 4,0% e 5,5%) na linha Lisboa-Madrid seria necessário um desvio de procura/ano correspondente a entre 6 e 9 milhões de passageiros para "justificar" o investimento, enquanto que resultados preliminares de um outro estudo apontam para uma taxa de rentabilidade social entre 5,1% e 6,8% para a Linha Lisboa-Porto e de 2,7% para a Linha Lisboa-Madrid, enquanto no próprio site se refere que a rentabilidade da linha Lisboa-Madrid da ordem dos 3,5%. Note-se, que se trata de valores que supostamente consideram não apenas as variáveis financeiras mas todos os efeitos sobre o bem-estar nacional incluindo os efeitos sociais e os efeitos sobre o ambiente. E sinceramente, tratam-se, particularmente no caso de Lisboa-Madrid de taxas francamente baixas e que ficam próximo, ou mesmo francamente abaixo, do limiar de 5% que é tradicionalmente adoptado como o valor mínimo de referência para este tipo de análises.

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