O debate económico na nossa internet arrisca tornar-se num diálogo de surdos entre os que (ver aqui e aqui) consideram que vivemos uma crise de procura e que portanto é necessário mais despesa pública e os que consideram que enfrentamos um grave problema de contas externas (ver aqui) que reflecte uma crise de falta de competitividade e portanto consideram que são necessárias medidas dirigidas a este problema como sejam a contenção do défice, a redução dos salários reais e a promoção de políticas de estimulo da oferta, designadamente de bens transaccionáveis.
E infelizmente, ambos têm razão. Portugal enfrenta actualmente uma conjugação de duas "crises" com origens distintas: - uma de origem externa e que se reflecte numa redução da procura externa dirigida à nossa economia e - uma crise de contas externas associada a uma baixa taxa de crescimento da produtividade e sérios problemas de competitividade.
Há obviamente interações entre estas duas crises que curiosamente são de sentido contrário. Com efeito, por um lado a crise económico-financeira internacional tende a agudizar o problema das contas externas, na medida em que torna mais dificil o financiamento do defice externo, o que por sua vez tende a agravar a queda da procura. Por outro lado, a forte especialização em bens não transaccionáveis significa que o impacto directo da quebra da procura externa seja menos sentido (não é por acaso que, na actual fase da crise, os países com quebras mais pronunciadas da actividade são aqueles cujas economias estavam mais orientadas para as exportações).
Mas a verdade é que se tratam de "doenças" distintas a exigir tratamentos também eles distintos, pelo que se põe a questão de quais as políticas mais adequadas. Obviamente, que a resposta depende eventualmente de pressupostos político-ideológicos mas também da avaliação que se faz da situação. Do ponto de vista da avaliação da situação há os que pensam que a situação das contas externas é de tal forma grave e periclitante que na realidade não há outra opção que não eleger esta como a primeira (única ?) prioridade. Enquanto que outros tendem a desvalorizar esta questão e a conceder prioridade absoluta às medidas destinadas a estimular a procura.
Julgo que ambos exageram as suas posições. Embora haja alguns sinais dos mercados financeiros (expressos nomeadamente no spread da República) a que é necessário estar atento a participação no euro põe-nos um pouco ao abrigo de uma crise de pagamentos que de outra forma seria inevitável e dá-nos alguma (não muito grande) margem de manobra temporal que podemos tentar aproveitar para que esse ajustamento seja gradual. Por outro lado, o impacto de um esforço de despesa pública de uma pequena economia aberta como Portugal é muito limitado. É certo que poderemos (deveremos) contribuir para um pacote europeu mas parece-me excesso de voluntarismo que façamos um esforço que, muito sinceramente, a Comissão e os outros Estados-membros não pedem nem esperam que façamos.
Neste contexto, julgo que a prioridade deve ser a utilização da escassa margem orçamental disponível para aliviar o impacto social da crise, evitando a tentação de prosseguir políticas quixotecas do tipo keynesiano que possam comprometer a nossa margem de manobra para o ajustamento externo que teremos que inevitavelmente fazer. É que, por muito que nos custe, o pior que poderia suceder neste momento seria uma perda de confiança na sustentabilidade das nossas contas públicas. A consequência seria uma crise financeira que iria agravar profundamente a quebra da procura com custos económicos e sociais verdadeiramente brutais.
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