segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Golpe de teatro...

Surpreendentemente o plano de resgate do sistema financeiro americano foi derrotado no Congresso. Os mercados como era de esperar cairam significativamente com o S&P500 a cair quase 9%, mas num dia em que além deste revés cairam mais dois gigantes financeiros (o Fortis e o Wachovia que foi forçado a vender as suas operações bancárias por $1 por acção - na sexta feira valiam $10 e há um ano valiam mais de $50) até podia ter sido pior.
Naturalmente isto não significa que os EUA vão deixar "cair" o sistema financeiro, mas apenas que terão de continuar a lidar com a crise caso a caso, em vez de implementarem uma solução sistémica, e com os bancos centrais a terem de continuar a intervir maciçamente no mercado monetário.

PS: Segundo a CNN 140 congressistas democratas votaram a favor e 95 contra, enquanto que no Partido Republicano 65 votaram sim e 133 contra, ou seja o plano da administração republicana foi derrotado pelo partido republicano... vai ser dificil aprovar qualquer plano até à tomada de posse do novo Presidente... a não ser que a administração ceda (ainda mais) aos democratas e aprove um plano contra a larga maioria dos congressistas do seu próprio partido.

Bail-out

Deixo aqui o link para o projecto de legislação:
http://i.cdn.turner.com/cnn/2008/images/09/28/ayo08c04_xml.pdf
são 110 páginas (embora pareça que o essencial está nas primeiras 30-40 páginas).

Fortis intervencionado

Foi anunciada a quase-nacionalização do Fortis (http://www.fortis.com/app/innw/fortis_news_detail_com_en.asp?IdNmb=2416):

"Fortis and the Governments of Belgium, the Netherlands and Luxembourg announce that they
have entered into an agreement, whereby the Government of Belgium has agreed to invest EUR
4.7 billion in Fortis Bank (Belgium), the Government of the Netherlands has agreed to invest
EUR 4.0 billion in Fortis Bank Nederland (Holding) N.V., and the Government of Luxembourg
will invest EUR 2.5 billion in Fortis Banque Luxembourg SA.
(...)
Maurice Lippens decided to step down from the Fortis Board of Directors. The new Chairman
will be recruited from outside the company in consultation with the Belgian government. In
addition, the governments of Belgium, the Netherlands and Luxembourg will receive significant
board representation in the respective Fortis banks.
(...)
The terms of the investment by the respective governments are as follows:
• the Government of Belgium has agreed to invest EUR 4.7 billion in Fortis Bank NV/SA
(Belgium) in exchange for a 49% share in the common equity of this entity
• The Government of the Netherlands invests EUR 4.0 billion in Fortis Bank Nederland
(Holding) N.V. in exchange for a 49% ownership in this entity
• The Government of Luxembourg invests EUR 2.5 billion in Fortis Banque Luxembourg SA
in the form of a mandatory convertible loan. Next to other rights, Luxembourg will be
entitled, upon conversion, to 49% of Fortis Banque Luxembourg
."

Dois pontos positivos a realçar são (i) a capacidade para encontrar uma solução rápida envolvendo 3 governos e, certamente o Banco Central Europeu; (ii) a solução encontrada ir directamente à raiz do problema proporcionando a recapitalização do banco (o que não é certo que venha a ocorrer nos EUA - ou pelo menos não se afigura que venha a ser feito de forma tão transparente).
Por outro lado, demonstra que a actual crise não afecta apenas os bancos americanos ou anglo-saxónicos e coloca em evidência a fragilidade destes gigantes financeiros com níveis de alavancagem extremamente elevados em que basta uma pequena desvalorização dos activos para colocar as instituições em risco de insolvência (ou pelo menos de subcapitalização).

domingo, 28 de setembro de 2008

A crise segue já a seguir

Enquanto o Reino Unido se estará a preparar para nacionalizar mais um banco, desta vez o Bradford & Bingley, (http://news.bbc.co.uk/2/hi/business/7640143.stm), o belgo-holandês Fortis (http://www.cnbc.com/id/26922718) e o americano Wachovia parece que continuam desesperadamente à procura de uma solução.

O caso mental português

A polémica em torno da questão dos computadores Magalhães (sobre a qual não podia estar mais de acordo com o Pacheco Pereira) fez-me vir à memória (não sei bem porquê) um texto de Fernando Pessoa que serve de título a esta entrada do qual não resisto a citar algumas passagens:

"Se fosse preciso usar de uma só palavra para com ela definir o estado presente da mentalidade portuguesa, a palavra seria «provincianismo».
(...) o provinciano sente, sim, a artificialidade do progresso, mas por isso mesmo o ama. Para o seu espírito desperto, mas incompletamente desperto, o artificial novo, que é o progresso, é atraente como novidade, mas ainda sentido como artificial. E, porque é sentido simultaneamente como artificial é sentido como atraente, e é por artificial que é amado. O amor às grandes cidades, às novas modas, às «últimas novidades», é o característico distintivo do provinciano.
Se de aqui se concluir que a grande maioria da humanidade civilizada é composta de provincianos, ter-se-á concluído bem, porque assim é. Nas nações deveras civilizadas, o escol escapa, porém, em grande parte, e por sua mesma natureza, ao provincianismo. A tragédia mental de Portugal presente é que, como veremos, o nosso escol é estruturalmente provinciano.
(...)
Pelas características indicadas como as do provinciano, imediatamente se verifica que a mentalidade dele tem uma semelhança perfeita com a da criança. A reacção do provinciano, às suas artificialidades, que são as novidades sociais, é igual à da criança às suas artificialidades, que são os brinquedos. Ambos as amam espontaneamente, e porque são artificiais.
Ora o que distingue a mentalidade da criança é, na inteligência, o espírito de imitação; na emoção, a vivacidade pobre; na vontade, a impulsividade incoordenada. São estes, portanto, os característicos que iremos achar no provinciano; fruto, na criança, da falta de desenvolvimento civilizacional, e assim ambos efeitos da mesma causa – a falta de desenvolvimento. A criança é, como o provinciano, um espírito desperto, mas incompletamente desperto.
(...)
Comecemos por não deixar de ver que o escol se compõe de duas camadas – os homens de inteligência, que formam a sua maioria, e os homens de génio e de talento, que formam a sua minoria, o escol do escol, por assim dizer. Aos primeiros exigimos espírito crítico; aos segundos exigimos originalidade, que é, em certo modo, um espírito crítico involuntário. Façamos pois incidir a análise que nos propusemos fazer, primeiro sobre o pequeno escol, que são os homens de génio e de talento, depois sobre o grande escol. Temos, é certo, alguns escritores e artistas que são homens de talento; se algum deles o é de génio, não sabemos, nem para o caso importa. Nesses, evidentemente, não se pode revelar em absoluto o espírito de imitação, pois isso importaria a ausência de originalidade, e esta a ausência de talento. Esses nossos escritores e artistas são, porém, originais uma só vez, que é a inevitável. Depois disso, não evoluem, não crescem; fixado esse primeiro momento, vivem parasitas de si mesmos, plagiando-se indefinidamente.
(...)
Se o escol do escol é assim, como não será o não escol do escol? Há, porém, um característico comum a ambos esses elementos da nossa camada mental superior, que aos dois irmana, e, irmanados, define: é: a ausência de ideias gerais e, portanto, do espírito crítico e filosófico que provém de as ter. O nosso escol político não tem ideias excepto sobre política, e as que tem sobre política são servilmente plagiadas do estrangeiro – aceites, não porque sejam boas, mas porque são francesas ou italianas, ou russas, ou o quer que seja."

PS: E, desculpem mas não resisto a deixar os links do portátil "português" (http://www.portatilmagalhaes.com/) e do Classmate da Intel (http://www.intel.com/intel/worldahead/classmatepc/).

Temos acordo...

Como se esperava parece que temos acordo (http://biz.yahoo.com/ap/080928/financial_meltdown.html). A confirmar-se os termos da notícia é uma vitória da Admnistração (que considerava o acordo essencial) e dos Democratas (que terão conseguido colocar no acordo todos os pontos em que desde sempre tinham inisistido: limitação dos poderes do Secretário do Tesouro, limites à remuneração dos gestores das empresas afectadas, apoio às pessoas com dificuldades em pagar os empréstimos hipotecários, obtenção de warrants das empresas afectadas).

sábado, 27 de setembro de 2008

E se acontecesse na Europa...

As notícias sobre o Fortis vêm recordar uma questão importante: a de saber como, a ser necessário, se desenrolaria uma intervenção das autoridades. Importa salientar que se trata de um grupo que de acordo com as contas consolidadas de Junho 2008 tinha activos de 974 mil milhões de euros (passivos eram quase 945 mil milhões de euros), sujeito simultaneamente à supervisão na Bélgica e nos Países Baixos. A dimensão do balanço e a necessidade de coordenação entre supervisores e governos de dois países sem política monetária própria seria certamente o maior desafio financeiro desde a criação do Euro.

Entretanto, o banco veio clarificar a sua posição financeira:
(http://www.fortis.com/app/innw/fortis_news_detail_com_en.asp?IdNmb=2409)
afirmando que terá perdido 3% dos seus depósitos face aos valores de Jan-2008 (o que corresponderia a mais de 6 mil milhões de euros, sendo curioso que utilizem Jan-2008 como comparação pois, segundo as contas do 2º Trimestre, em Jun tinham mais 5 mil milhões de euros que em Janeiro o que indica que desde 30 de Jun terão "perdido" 11 mil milhões de euros de depósitos). Acresce que os passivos face a outros bancos ascendiam em Jun a 215 mil milhões enquanto que os activos sobre outros bancos eram somente 133 mil milhões de euros o que nas condições actuais do mercado monetário não é uma posição muito confortável.

E depois do "bailout"...

As consequências de um falhanço nas negociações seriam de tal forma devastadoras para os mercados financeiros que é impensável que não se chegue a um acordo até porque nenhum dos intervenientes (Democratas, Republicanos e Administração americana) estará interessado em ficar para a história como responsável pelo debacle do sistema financeiro, mas além de a intervenção planeada poder vir a revelar-se insuficiente não resolve, por si só, as questões económicas fundamentais que impendem sobre a economia d0s EUA e a economia mundial, a saber o monstruoso desequilíbrio da Balança Corrente dos EUA cujo défice nos últimos 4 trimestres (2007Q3-2008Q2) se situa, curiosamente, muito próximo dos 700 mil milhões de dólares (cerca de 5% do PIB) e que está associado a uma taxa de poupança das famílias historicamente muita baixa (2,7% em no 2.º trimestre de 2008) e um défice público elevado e em crescimento.