A entrevista de José Sócrates ao Expresso não trazendo praticamente nenhuma novidade constitui um testemunho importante sobre diversos aspetos.
Pessoalmente acho particularmente interessante a visão de José Sócrates relativamente à sua política económica nos anos de 2008 a 2010 e quanto à inevitabilidade, ou não, do primeiro resgate.
Relativamente ao primeiro tema não posso deixar de citar o próprio "Nós decidimos, todos, líderes europeus, fazer investimento. Decisão que vinha da boa doutrina económica. A doutrina que dizia que, num momento de crise internacional como aquela, os Estados têm o papel de fazer mais investimento para garantir o emprego. Isso durou até ao final de 2009, e em 2010 rebenta a crise grega, e a direita aproveita a crise grega, em particular a Alemanha, para dar cabo da política que estava a ser conduzida e bem conduzida. Sabe qual foi o crescimento económico em Portugal em 2010? Foi, com a crise, de 1,9. A política de estímulos deu resultado. Simplesmente, tivemos um problema de financiamento..." (meus sublinhados). Deixando de lado a visão conspirativa, não deixa de ser fascinante que o ex-primeiro-ministro não apenas não admita qualquer erro como - mesmo após tudo o que aconteceu desde então - continue a defender a política adotada como a mais correta e nem sequer reconheça que o "pequeno" problema da falta de financiamento foi a consequência inelutável de uma política que conduziu (ou pelo menos não soube evitar) uma situação de evidente insustentabilidade das contas públicas e externas.
Encontramos, o mesmo grau de ilusionismo na maneira como se conta a história do PEC IV. Não tenho qualquer dúvidas de que, tal como ele afirma, José Sócrates fez, em 2011, tudo o que esteve ao seu alcance para tentar evitar o pedido de ajuda externa, tal como está mais do que documentado de que tinha conseguido garantir o apoio da Comissão, do BCE e dos outros países europeus através do PEC IV e que foi o chumbo deste programa que precipitou o pedido de ajuda. E compreendo alguma frustração por ter visto os seus esforços gorados. Simplesmente, é hoje também evidente que as metas do PEC IV não eram exequíveis e que àquela crise ter-se-ia seguido outra o mais tardar a seguir ao Verão na qual não teria restado outra alternativa exceto o resgate numa posição negocial ainda mais fraca e depois de meses durante os quais o Estado, os banco e as empresas portuguesas continuariam com extremas dificuldades de acesso aos mercados. O erro de Sócrates não está na forma como descreve os acontecimentos na Primavera de 2011, mas na sua fé na sua capacidade sobre-humana de através da vontade desafiar a história. José Sócrates é incapaz de compreender que as suas ações em 2011 era demasiado tardias e frágeis para inverter a trajetória em que nos encontrávamos.
Neste contexto, é particularmente significativa a forma como se refere ao ministro Teixeira dos Santos "Passei dois anos horríveis com o Teixeira dos Santos, horríveis. Ele foi-se abaixo! (...) [Eu] Nunca me fui abaixo!". Nenhuma outra passagem da entrevista sintetiza melhor a combinação de excesso de voluntarismo (que alguns confundem com coragem e determinação) e de cegueira que, infelizmente, marcou a condução da política económica e financeira entre 2008 e 2011 com as consequências que hoje conhecemos.
1 comentário:
Há um pequeno "detalhe" adicional na história (não incluída na narrativa do ex PM): quanto custou a Portugal - e aos contribuintes portugueses - o adiar do pedido de ajuda por motivos de expediente político?
Considerando como ponto de partida Abril de 2010 (altura em que era óbvio - pelo menos para mim - que o pedido de ajuda era uma questão de tempo), cerca de um ano antes do pedido ser efectuado. Nesse ano (2010), Portugal emitiu 51 mil milhões de euros em dívida, de maturidades variadas. Se assumirmos uma maturidade média de um ano, e uma taxa de juro de mercado de 7%, teremos um diferencial de cerca de 3% face ao custo "agiota" da Troika. 3% de 51 mil milhões são 1.500 milhões (mais milhão, menos milhão).
Esse foi aproximadamente o custo financeiro de termos este individuo como PM. O custo estratégico do adiamento, esse, temo que nunca o saberemos.
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