sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A importância da declaração de Deauville

Existe um aparente consenso que a recente subida da taxa de juro de Portugal e da Irlanda terá sido uma consequência da declaração franco-germânica do passado dia 18 de Outubro e em concreto da passagem em que se refere que defende a revisão dos Tratados para “The establishment of a permanent and robust framework to ensure orderly crisis management in the future, providing the necessary arrangements for an adequate participation of private creditors and allowing Member States to take appropriate coordinated measures to safeguard financial stability of the Euro area as a whole” (nosso sublinhado). Segundo esta tese, a declaração teria de alguma forma alterado as expectativas dos agentes quanto a uma eventual reestruturação da dívida pública detida por privados aumentando a percepção do risco e consequentemente fazendo subir os yields.

Embora esta declaração seja relevante, pessoalmente tenho algumas dificuldades em aceitar que seja a única, ou mesmo a principal, explicação para a recente subida dos yields das dívidas soberanas de Portugal e Irlanda. Com efeito, para além do facto que é mais evidente para Portugal da subida dos yields apenas se ter acentuado a partir do dia 26 de Outubro, a verdade é que a perspectiva de uma reestruturação da dívida - que muitos consideram inevitável no médio prazo - já era há muito referida como uma hipótese  e eram, igualmente, há muito mais do que evidentes as dificuldades políticas da Alemanha para aceitar quer participar em novas operações de assistência financeira quer para prolongar para além de 2012 o pacote concedido à Grécia. Além disso, deve notar-se que a declaração é suficientemente vaga para não implicar que qualquer ajuda deva ser sempre acompanhada por uma reestruturação da dívida detida por privados – o que seria obviamente uma estupidez - aspecto que talvez pudesse ter sido enfantizado.

Assim, sem negar a importância daquela declaração, o recente movimento das taxas de juro estará igualmente, senão mesmo fundamentalmente, relacionado com as notícias sobre o provável phasing-out das facilidades de financiamento junto do BCE que têm sido utilizadas de forma particularmente intensiva pelos bancos gregos, irlandeses e portugueses, bem como as notícias que têm chegado da Irlanda e que revelam a situação verdadeiramente dramática que este país enfrenta e que fizeram descolar as yields das obrigações irlandesas a 10 anos para níveis superiores a 7,5%.

Note-se, aliás, que este comportamento diferenciado das taxas de juros portuguesas e irlandesas - que nos últimos meses tinham evoluído de forma bastante sincronizada - é dificilmente compaginável com a tese de que a evolução recente dos yiels será atribuível em quase exclusivo à declaração de Deauville e aponta para a importância de factores específicos intrinsecos à diferente situação de cada país.

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