quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A revisão da Constituição

Apesar de pessoalmente ser adepto de uma Constituição menos programática e considerar discutíveis algumas das soluções constitucionais (e.g. a natureza semi-presidencial do regime) a verdade é que o texto da nossa Constituição afigura-se-me como globalmente adequado. (E não vale sequer a pena invocar a referância ao "caminho para uma sociedade socilista" constante do preâmbulo, uma vez que este tem apenas significado histórico).

Neste contexto, afiguram-se-me como muito pouco convincentes e geralmente infundadas as afirmações acerca de uma pretensa imperiosidade de revisão da Constituição, especialmente quando essas declarações não concretizam nem as matérias que deveriam ser alvo de revisão nem o sentido das alterações pretendidas.

Não tenho uma perspetiva imobilista do texto constituicional, mas mesmo não tendo objeções fundamentais quanto aos princípios subjacentes, não me situo entre os apoiantes da constitucionalização de limites para o défice público ou a despesa pública, que considero indesejáveis por várias razões.

Em primeiro lugar, tratam-se de conceitos tecnicamente dificeis de definir com rigor e relativamente fáceis de manipular.

Em segundo lugar, pelas dificuldades de operacionalizar a aplicação desses limites, admitindo que seriam aplicáveis na elaboração do Orçamento é muito provável que contribuissem para acentuar a tendência para o otimismo das previsões, não sendo claro o que sucederia nomeadamente em caso de desvios da despesa acima do limite previsto, existindo um risco elevado de que: i) os limites não fossem cumpridos; ou ii) assistissemos a crises recorrentes de ameaça de bloqueamento da atividade das administrações públicas, incluindo, eventualmente do pagamento de salários e pensões.

Em terceiro lugar, não conheço nenhum critério ou estudo que permita concluir que, por exemplo, um nível de despesa pública correspondente a 44,9% do PIB é adequado mas 45,1% é inaceitável. De facto, o nível "adequado" de despesa (e receita) pública depende do estado de desenvolvimento económico e social de um país e de opções políticas que devem ser debatidas mas me parece errado constitucionalizar.

Por último, porque o estabeelcimento desses limites tenderia a acentuar a tendência pró-ciclica da política orçamental e não me parece que os eventuais ganhos em termos de credibilidade - e de redução dos custos de financiamento - justifiquem os custos associados à perda de flexibilidade da política orçamental.

Neste contexto, parece não só inútil como contraproducente suscitar uma divisão dos partidos (e o país) entre defensores e opositores de uma revisão constitucional cujos termos surgem como indefinidos ou questionáveis.

Contrariamente ao que ocorreu na primeira metade do século XIX em que Portugal teve três constituições (a Constituição de 1822, a Carta Constitucional de 1826 e a Constituição de 1838) e, ainda, um interregno de monarquia absoluta - em que existiam divisões profundas quanto ao princípios essenciais do regime - existe, hoje, um consenso generalizado relativamente a esses fundamentos pelo que não se justifica alimentar uma querela constitucional que, de facto, não tem razão de existir. PS: Sobre o tema da revisão constitucional António Barreto considera que a "relação entre Estado central e autarquias, a concepção da administração pública, o conceito de funcionário público, o desenho dos grandes serviços públicos de educação, saúde e segurança social, a organização da justiça e os direitos e deveres das instituições são aspectos essências da reforma do Estado, mas a sua definição actual, que importa ver, rever e alterar, reside na Constituição". Para além da questão semântica de saber se a revisão destes aspetos merecem, ou não, o epíteto de uma revisão "profunda" não estou certo que - aparte eventualmente a questão do vínculo do funcionário público - seja indispensável uma revisão da constituição para alterar os restantes pontos, mas -ainda que o fosse -não me parece - muito pelo contrário - que exista o grau de consenso social que seria necessário para uma alteração profunda da conceção dos serviços públicos de educação, saúde e segurança social.

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