quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A raiz dos problemas

Numa dia em que, apesar da descida coordenada das taxas de juro por uma dezna de bancos centrais, se assistiu a mais uma sessão negativo nas bolsas europeias http://economia.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1345475 e em que o S&P500 e o Dow cairam mais de 7% e as condições do mercado monetário não revelaram sinais positivos acho que o mais importante é tentarmos compreender o que está por detrás a suceder.

Assumamos um banco típico que financia o seu activo com 95% dívida (parte substancial de curto prazo) e 5% de capitais próprios. E imaginem que uma parte dos seus activos, por exemplo 30%, são créditos hipotecários. Os gestores deste banco acreditavam na máxima de que "Os preços do imobiliário nunca descem". Hoje em dia pode parecer absurdo mas devemos recordar que o Presidente da Reserva Federal Alan Greenspan disse por diversas vezes que "Housing price bubbles presuppose an ability of market participants to trade properties as they speculate about the future. But upon sale of a house, homeowners must move and live elsewhere. This necessity, as well as large transaction costs, are significant impediments to speculative trading and an important restraint on the development of price bubbles. Overall, while local economies may experience significant speculative price imbalances, a national severe price distortion seems most unlikely in the United States, given its size and diversity."
Sucede porém que inesperadamente (pelo menos para esses gestores, para os accionistas do banco e para os seus depositantes e credores) os preços das casas descem 10% e se descobre que os devedores não têm rendimentos (na verdade nunca ninguém se deu sequer ao trabalho de lhes perguntar - o banco tinha aderido à prática de conceder os designados empréstimos NINJA - No Income No job No Asset). Ou seja, os seus activos desvalorizam-se 3% e os capitais próprios passam a corresponder a apenas 2% dos seus activos, o risco de insolvência aumenta e o banco passa a ter dificuldade em obter financiamentos. A solução é obviamente aumentar o capital. Sucede porém que entretanto o mercado imobiliário continua a cair (entre outras razões porque este banco e outros tomaram posse das casas dos incumpridores e colocaram-nas no mercado) e os seus activos voltam a desvalorizar-se colocando o banco numa solução próxima da insolvência e que o banco não consegue reforçar os seus capitais próprios no mercado ficando com um rácio de solvabilidade de, digamos, 2,5%. Naturalmente que os seus credores, nomeadamente outros bancos vão voltar a ter relutância em emprestar-lhe fundos, colocando o banco numa situação de não poder satisfazer os seus compromissos de curto prazo porque não consegue fazer o roll-over da sua dívida. Ou seja, um problema de insolvência transformou-se num problema de liquidez. Os gestores do nosso banco só têm uma saída que é a de "liquidar" os seus activos, pelo que vão reduzir o crédito concedido (desalavancar o seu balanço) de forma a tentar recuperar os seus rácios de solvabilidade e tentar obter o máximo de meios líquidos possíveis para poder fazer face a levantamentos de depositantes e ao reembolso dos passivos que forem vencendo. A questão é que a recuperação do rácio de solvabilidade de 5% teria que reduzir os seus activos (créditos) para metade. Sucede ainda que o nosso banco não é o único nesta situação e portanto todos os bancos tendem a recusar ceder crédito a outros bancos (ou a só fazê-lo por prazos muito curtos e a taxas elevadas) porquanto: 1) têm receio que os bancos a quem emprestarem fundos caiam numa situação de insolvência; 2) pretendem conservar os seus fundos para fazer face a levantamentos de depósitos e rembolsar os passivos que forem vencendo já que sabem que será muito dificil fazer o respectivo roll-over.
O banco centrais podem eliminar a justificação 2) com alguma facilidade, bastando garantir que disponibilizarão a liquidez necessária aos bancos solventes (cumprindo a sua função tradicional de "lender of last resort"). A eliminação da justificação 1) já implica, todavia, uma resposta mais heterodoxa e teoricamente pode ser prosseguida de duas formas: a) trocando os activos "arriscados" por activos seguros por forma a que os outros bancos deixem de ter dúvidas quanto à solvência dos bancos a quem emprestem - é esta basicamente a ideia subjacente ao plano Paulson; b) aumentando os capitais dos bancos por forma a que deixem de subsisitir dúvidas quanto à solvência dos bancos através de injecção de capitais - é isto basicamente que fizeram os belgas e holandeses e o Reino Unido está a tentar fazer.
Note-se que para que a opção a) funcione por si só seria necessário que os activos "arriscados" fossem comprados a um preço que permitam que os rácios dos bancos sejam satisfatórios. Ou seja, que esses activos sejam adquiridos por um preço superior ao (valor implicito) que os mercados lhes atribuem. A ideia do plano Paulson era a de que esses activos estariam a ser subavaliados pelo mercado e portanto seria possível que o Estado os adquirisse por um preço que permitisse simultaneamente assegurar a solvência dos bancos e sem custos para o Estado (na medida em que o Estado poderia recuperar o valor aplicado na aquisição através da venda desses activos quando o seu valor recuperasse ou mantendo-os até à maturidade).
Existem no entanto vários problemas (para além dos montantes colossais envolvidos): 1) a penalização dos accionistas e gestores que tem sido exigida implica que estes tentem fazer tudo para que os respectivos bancos não sejam auxiliados e que portanto tentem resolver por si só os seus próprios problemas contraindo o crédito e mantendo uma posição de liquidez muito forte; 2) na sequência dos problemas os mercados não estão dispostos a aceitar rácios de solvabilidade que se verificavam antes da crise (exigindo rácios superiores) o que implica igualmente cortes de activos; 3) este processo está associado uma destruição de riqueza considerável (redução do valor do imobiliário - que está na raiz do problema) e do valor dos títulos dos bancos agravada pelos efeitos indirectos resultantes dessa quebra no preço de outros activos; 4) a redução do crédito (ou, pelo menos da taxa de crescimento do crédito) e a destruição de riqueza referida é por si só suficiente para provocar uma desaceleração do crescimento (ou até mesmo uma recessão) que agrava a dificuldade de resolver o processo podendo mesmo criar-se um ciclo vicioso; 5) associado a este processo existe a necessidade de reafectação de recursos dentro da economia (nomeadamente dos sectores da construção e financeiro para outros sectores) e reequilíbrios das taxas de poupança-investimento a nível internacional.
Neste contexto, o melhor que se pode esperar é que o processo de ajustamento seja o menos caótico possível e que a recessão seja relativamente benigna.

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