domingo, 6 de fevereiro de 2011

A subida dos preços dos bens alimentares

De acordo com o relatório mais recente divulgado pela FAO, o índice de preços dos bens alimentares registou em Janeiro o valor mais elevado da série iniciada em 1990 com um aumento de 3,4% face ao mês anterior e de cerca de 28,3% face a Janeiro de 2010. Tendo os preços dos cereais, que apesar de tudo estão ainda abaixo dos valores registados entre Fevereiro e Julho de 2008, aumentado 2,9% no último mês e cerca de 43,7% no último ano.



Como é habitual não tem faltado algumas análises a atribuir pelo menos parte da responsabilidade aos especuladores nos mercados financeiros e/ou à política monetário (demasiado) acomodatícia que teria conduzido a um aumento das expectativas de inflação. Nenhuma destas razões me parece poder constituir a principal explicação.

É naturalmente possível que a especulação, nomeadamente através dos mercados de futuros, possa conduzir a um aumento (ou descida) dos preços e eventualmente ter um efeito sobre a volatilidade. Note-se, no entanto, que as operações nos mercados de futuros (em que um operador compra a outro uma determinada quantidade para entrega futura) serão um dia liquidadas e que se nessa altura não houver procura e os preços tiverem descido esses especuladores perderão muito dinheiro. O que significa que, em geral, a evolução nos preços nos mercados de futuros tenderá a acompanhar a expectativas da oferta (produção) e procura (consumo) e que antes de "culparmos" os especuladores deveremos investigar se existem (ou não) factores fundamentais que expliquem o comportamento dos preços.

O argumento da política monetária também parece um pouco estranho. Com efeito, se podemos admitir que as expectativas de inflação levem os agentes a adquirir activos de refúgio cujo valor acompanhe o aumento dos preços. A verdade é que os receios de inflação que existem são sobretudo no médio e longo prazo, não sendo certamente muitos aqueles que anteciparão que a taxa de inflação nas prinicipais economias (EUA, zona euro e Japão) atinja valores sequer próximos dos dois dígitos nos próximos 12-18 meses. Assim, este argumento justificaria a procura de activos de longo prazo (como o ouro, imóveis, depósitos em francos suíços, etc) mas não posições no mercados de futuros que geralmente são para prazos bastante curtos.

Resta-nos enbtão olhar para os fundamentais. E a verdade é que existem factores quer do lado da oferta quer do lado da procura que parece poderem justificar, pelo menos em grande parte, a recente evolução dos preços. Do lado da oferta, as estimativas apontam para uma queda de mais de 5% na produção mundial de trigo em resultado sobretudo da redução da produção na Rússia (de 61,7 milhões de toneladas em 2009/10 para 41,5 milhões em 2010/11) e na Ucrânia (de 20,9 para 17,2 milhões de toneladas) que se explica sobretudo por razões climatéricas. E comparando as estimativas para 2010/11 com a produção em 2008/2009 vemos também descidas consideráveis nos EUA e Canadá.

Mas será uma queda de 5% da produção mundial de trigo suficiente para justificar um aumento de quase 50% nos preços dos cereais, especialmente quando a produção de arroz tem vindo a aumentar pelo que a produção global de cereais cairá "apenas" cerca de 2,7%  ? Sinceramente, apesar do trigo ser apenas um dos cereais  não me parece assim tão dificil acreditar que sim, na medida em que, admitindo a procura estável, estariamos a falar de uma elasticidade procura-preço de cerca entre 0,05 e 0,1, que sendo baixa não parece irrazoável para os bens em causa. Pois, nomeadamente nos países desenvolvidos, não me parece que o consumo de pão, farinhas e outros produtos derivados dos cereais ou carne (boa parte da produção mundial de cereais destina-se à alimentação de gado) seja muito sensível a variações de preço.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não podia concordar mais.