segunda-feira, 9 de maio de 2011

Ler os outros: António Nogueira Leite

Numa resposta à referência pessoal de que foi objecto no discurso de Francisco Louçã no encerramento da Convenção do BE, António Nogueira Leite publicou hoje no Albergue Espanhol um interessante post onde recorda os efeitos da desvalorização sobre a repartição do rendimento, referindo a propósito da desvalorização ocorrida em 1983-1985 que o Governo da altura "utilizou os salários dos funcionários públicos como um instrumento de política de rendimentos para o ajustamento da situação externa: baixou os salários reais de forma muito significativa, mesmo tendo aumentado os salários nominais. Como? Aumentou os salários, mas muito abaixo da inflação esperada e posteriormente registada. Houve uma perda do poder de compra brutal, de cerca de 15%, que as pessoas não perceberam de início, porque os salários nominais ainda estavam a aumentar. A inflação elevada é também uma anestesia para os agentes económicos. Ao tomar estas medidas, o Governo reduziu a pressão na administração pública e, por paralelismo, induziu uma perda nos salários reais até no sector privado, com consequências positivas na competitividade do sector exportador".

Recordando que este ajustamento correspondeu "do ponto de vista da distribuição de rendimento assistimos a uma transferência brutal do factor trabalho [dos trabalhadores] para o factor capital [empresas]" que ocorreu por duas vias "Primeiro através da desvalorização da moeda. Quando tal acontece tornam-se as condições de remuneração do capital mais atractivas e, por outro lado, reduz-se a capacidade de consumo das famílias, porque os produtos importados se tornam automaticamente mais caros" e, em segundo lugar, pela "redução dos salários reais. A política não podia ter sido outra e não podia ter sido mais bem sucedida, mas significou um duplo benefício do factor capital face ao sector trabalho. Isto é importante. Quando muitas vezes as pessoas à esquerda desvalorizam a preocupação dos economistas com certos equilíbrios, como o externo e, quando a situação endurece, e reclamam certo tipo de ajustamentos, como a desvalorização da moeda, deviam atentar às consequências na redistribuição de rendimento."

Concluindo que "O que é interessante é que, por este tipo de mecanismos, uma postura despesista, de investimento cego em infra-estruturas sem efeitos reprodutivos e de concentração excessiva nos bens não transaccionáveis, gera grandes desequilíbrios externos e provocará, no final, uma transferência enorme de recursos do factor trabalho para o factor capital. É irónico que sejam muitas vezes as políticas de esquerda aquelas que acabam por gerar as maiores transferências de rendimento dos trabalhadores para as empresas e para os donos destas".

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