A. Os efeitos da medida
- Efeitos estáticos
Em termos estáticos (coeteris paribus) uma descida das contribuições patronais para a Segurança Social compensada pelo aumento do IVA terá dois efeitos: i) uma redução dos custos totais salariais das empresas e, consequentemente, um aumento dos respectivos lucros e ii) um aumento dos preços (IVA incluído) e, consequentemente, uma redução dos salários (e outros rendimentos fixos em termos nominais - e.g., pensões) reais. Este efeito corresponde, portanto, a uma transferência de rendimento das famílias (trabalhadores e pensionistas) - que passariam a financiar uma parte da segurança social através do IVA incluído nos preços - para as empresas - que reduziriam as suas contribuições para a segurança social. Sendo de notar que esta alteração prejudicaria particularmente as famílias com uma maior propensão a consumir e beneficiaria especialmente as empresas em que a massa salarial representasse uma proporção mais elevada dos seus custos (e.g.os sectores mais intensivos em trabalho).
- Efeitos dinâmicos
Claro que o mais interessante da proposta (e a sua razão) de ser prende-se com os seus efeitos dinâmicos que dependendo das reacções dos agentes são dificeis (impossíveis) de estimar com precisão. Um aspecto crucial será a forma como as empresas irão (ou não) repercutir a redução de custos nos preços praticados.
Teoricamente, no quadro de uma pequena economia aberta, os preços dos bens transaccionáveis são determinados no mercado internacional pelo que se deveriam manter, pelo que (assumindo, por enquanto, que o preço dos seus factores se mantem constante) as empresas portuguesas nesse sector veriam a sua rentabilidade aumentar incentivando o investimento e a criação de emprego neste sector.
Enquanto que o efeito no sector dos bens não transaccionáveis dependerá da estrutura de concorrência (e da resistência à descida dos preços nominais), se a concorrência for elevada (e a resistência à descida de preços nominais baixa), as empresas do sector dos bens transaccionáveis deveriam reduzir os preços (antes de IVA), o que minimizaria a quebra do poder de compra das famílias (note-se ainda que neste caso ocorreria uma alteração dos preços relativos dos bens transaccionáveis face aos não transaccionáveis que, como pretendido, mimetizaria o efeito de uma desvalorização cambial) e reduziria os custos do sector transaccionável correspondente aos inputs que este adquire ao sector não transaccionável. Não existindo concorrência (ou uma elevada resistência à descida nominal dos preços) o que sucederá é que este efeito não ocorrerá (ou ocorrerá) em menor grau, implicando uma maior descida do poder de compra real e um menor efeito sobre a rentabilidade do sector transaccionável.
Além deste efeito, é preciso ter em atenção a reacção do consumo e da oferta de trabalho. Come efeito a descida do rendimento real das famílias tenderia a provocar uma redução do consumo (e se os preços dos não transaccionáveis baixasse também um efeito de substituição no consumo) que iria contribuir para uma melhoria do equilíbrio externo. Por outro lado, o aumento dos preços tenderia a aumentar as reinvidicações de aumentos salariais, que a concretizarem-se tenderiam a anular o efeito de redução dos custos salariais pretendido. Refira-se que, para além do efeito de alteração dos preços relativos, o principal objectivo da medida é baixar os custos unitários do trabalho por forma a recuperar a competitividade sem necessidade de redução dos salários nominais.
Assim, a eficácia da medida para aumentar a competitividade dependerá fulcralmente de dois factores: i) do efeito sobre os preços nos sectores não transaccionáveis e ii) da não repercussão do aumento dos preços nos salários nominais. E para maximizar o efeito pretendido deve ser acompanhada por medidas que fomentem a concorrência naquele sector (ou quando tal não seja víável - e.g. monopólios naturais - através da acção das entidades reguladoras) e de flexibilização do mercado de trabalho.
B. Custos e benefícios da medida
Para que não se comprometam os objectivos do défice a redução da TSU deverá ser financiada através de um aumento do IVA (seja através da reestruturação ou do aumento das taxas nominais deste imposto), de reduções adicionais da despesa ou de aumentos (adicionais) de outros impostos. Aquilo de que se tem falado mais (e aparentemente corresponderá à hipótese mais viável) será um aumento do IVA, pelo que o "custo" da medida será o aumento da inflação (e portanto a redução do poder de compra das famílias) resultante desse aumento.
De acordo com os números que tem sido divulgados a redução de 1 ponto percentual na TSU corresponde a cerca de 400 milhões de euros, o que significa que uma redução de 4 pp implicaria um aumento da receita do IVA de cerca de 1.600 milhões de euros.
Os benefícios da medida seriam o aumento da actividade económica e do emprego propiciado pela recuperação da competitividade através da redução dos custos unitários do trabalho para as empresas.
C. Uma apreciação crítica
- Sobre a necessidade
Quer a evolução do défice corrente quer os indicadores sobre a evolução dos custos unitários do trabalho indicam que Portugal tem um grave problema de competitividade que, pelo menos em parte, está associado a uma subida ao longo de vários anos (nomeadamente entre 1992 e 2005) dos custos unitários do trabalho a um ritmo claramente superior ao verificado na média da zona euro. O ideal seria que este desvio fosse corrigido através de um aumento da produtividade média da economia, o que no entanto não é fácil de obter no curto prazo pelo que as outras alternativas serão: i) uma redução dos salários nominais ou ii) um maior aumento do desemprego.
A opção entre estas alternativas dependerá das preferências de cada um (e eventualmente na sua "fé" quanto à possibilidade de maximizar o efeito de alteração dos preços relativos dos sectores não transaccionável e transaccionável). Mas, pessoalmente seria favorável a uma medida de redução significativa da TSU mesmo que para tanto fosse necessário mexer nas taxas nominais do IVA e/ou obter fontes de receita adicionais através do aumento de outros impostos.
Finalmente, uma referência a dois aspectos que tem estado presentes no debate.
- Sobre a selectividade
Uma das possibilidades que tem sido aventada tem sido a de uma descida selectiva da TSU ou a sua substituição por outras medidas especificamente direccionadas ao sector dos não transaccionáveis. Solução que confesso que não só não me parece viável na medida em que contrrariaria as regras comunitárias em matéria de auxílios estatais, como não me parece desejável pois implicaria além de implicar uma distorsão no mercado de trabalho a selecção dos sectores seria sempre discutível e permeável a lóbis (e.g., como vimos recentemente pode por exemplo defender-se que a restauração é essencial para o turismo e, portanto, deveria beneficiar da redução) e, além disso, muitas (ou grupos de) empresas operam simultaneamente nos sectores transaccionável e não transaccionável e partilham serviços comuns que não é dificil imaginar a que empresas passariam a executar. Um exemplo clássico das dificuldades inerentes é o dos empregados de empresas de serviços de limpeza ou de segurança que seriam classificados como pertencendo ao sector dos não transaccionáveis e o dos empregados de limpeza ou de segurança que pertençam aos quadros de uma empresa do sector do calçado e portanto, se calhar, já seriam trabalhadores do sector não transaccionável.
- Sobre a gradualidade
Outra questão é a da gradualidade. Relativamente a esta questão a minha posição é que dada a dimensão do diferencial da evolução dos custos unitários de trabalho em Portugal face ao restante da zona euro uma correcção da competitividade unicamente através deste mecanismo exigiria uma redução muito significativa da TSU, pelo que compreendo as referências do chefe de missão do FMI a uma redução da ordem dos 3-4 % do PIB (que corresponderia a uma redução de cerca de 12 a 16 pp da TSU) e a referência de Eduardo Catroga a uma redução de 8 pp.
A questão que se coloca é como financiar essa redução e, por outro lado, mesmo que fosse possível superar as resistências políticas a uma tal medida é importante não esquecer que um aumento do IVA da magnitude necessária (baseando-me no estudo do Banco de Portugal uma redução da TSU de 10 pp exigiria um aumento da taxa média do IVA superior a 5 pp) teria um elevado impacto macroeconómico sobre a procura interna que provavelmente significaria um (ainda) maior aumento do desemprego no curto prazo. Pelo que, contrariamente ao que tem sido defendido, por muitos economistas que aprecio, não me choca nada, antes pelo contrário, uma abordagem mais gradual, que poderia ser, por exemplo, uma redução da TSU em 2 pp por ano ao longo de 3 ou 4 anos.
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