terça-feira, 10 de maio de 2011

Sobre a proposta de redução da taxa social única

Uma das medidas aventadas no memorando de entendimento da designada troika é a que consiste numa alteração da política tributária que vise reduzir os custos do trabalho e aumentar a competitividade externa da economia portuguesa, a qual segundo o documento deverá ser neutral em termos de receita, ou seja a perda de receita daqui decorrente deverá ser compensada pelo aumento de outras receitas.

Neste contexto, o PSD inclui no seu programa eleitoral a proposta de uma redução da taxa social única (TSU) em 4 pontos percentuais ao longo da legislatura compensando a quebra de receita através da “consignação receitas de impostos oriundas de outras fontes, a estudar no âmbito do OE/2012” (meu sublinhado), uma medida que apelida de “desvalorização fiscal” e que permitiria reduzir os custos das empresas com o trabalho, e assim conduzir a uma “Redução substancial dos custos de produção das empresas exportadoras para restaurar a competitividade da economia portuguesa” com efeitos positivos sobre o aumento das exportações, o crescimento e o défice externo.

Esta medida foi analisada pelo Banco de Portugal que, no seu último boletim económico, publicou (ver Caixa 2 no final deste documento) os resultados da avaliação do impacto de uma redução da TSU daquele montante compensada por um aumento da taxa média de IVA de cerca de 2 p.p., por forma a obter um impacto neutro sobre o saldo orçamental e o stock de dívida pública.

De acordo com os resultados da avaliação na qual utilizou um modelo macroeconómico de equilíbrio geral uma medida desta natureza possibilitaria “um aumento do nível de actividade económica e das horas trabalhadas que traduz num nível superior de exportações, de consumo privado e de investimento”, estimando-se que uma tal medida seria susceptível de gerar ganhos de bem-estar equivalentes a um aumento permanente do consumo per capita entre 0,5% e 1,4%, resultados que dependem, nomeadamente, do horizonte temporal de planeamento dos agentes e das hipóteses relativas à elasticidade da oferta de trabalho aos salários reais.

Note-se, no entanto, que de acordo com o mesmo estudo este impacto sobre o bem-estar deve “ser entendido com especial cuidado” na medida em que não leva em conta “a heterogeneidade subjacente à distribuição do rendimento das famílias”, chamando a atenção para que o “aumento da tributação do consumo é susceptível de afectar em especial as famílias com menores rendimentos”.

No documento do Banco de Portugal alerta-se, ainda, para que um aumento da taxa normal do IVA acarreta o risco de “incentivar a fuga ao pagamento do imposto”, aventando a hipótese de um aumento das taxas reduzida e intermédia do IVA, o que, no entanto, como se reconhece "determinaria um aumento da tributação sobre produtos essenciais” e teria “efeitos não negligenciáveis nos níveis de rendimento real e de consumo das famílias, com especial incidência para as de menores recursos”.

Sobre esta questão gostaria ainda de deixar algumas notas adicionais.

Em primeiro lugar o estudo baseia-se num aumento da taxa média do IVA, e não “apenas” da taxa normal do IVA em 2 pontos percentuais o que pode ser obtido através de uma aumento das taxas do IVA daquela dimensão (i.e. subida das taxas de 6%, 13% e 23% para 8%, 15% e 25%) ou de outras alterações no mix de taxas do IVA (i.e., subida apenas da taxa normal em cerca de 3 p.p., subida das taxas reduzida e intermédia, alteração das listas de produtos aos quais se aplicam as diferentes taxas ou uma combinação destas medidas) e/ou do recurso a outras fontes de receita.

Em segundo lugar, será importante realçar que resulta do memorando da troika que as medidas de compensação a implementar deverão ser adicionais às medidas de aumento da receita previstas neste documento onde já se prevê receitas substanciais através da reestruturação da redução das isenções e revisão das listas de taxas do IVA (410 milhões de euros em 2012) e o aumento dos impostos especiais nomeadamente sobre o tabaco (250 milhões de euros em 2012 e 150 milhões de euros em 2013), pelo que a margem para obter os recursos adicionais através destas vias será limitada.

Em terceiro lugar o efeito sobre a competitividade dependerá da transmissão da redução da TSU sobre os preços dos bens finais (e sobre os salários reais), sendo que as simulações do banco de Portugal apontam para uma subida significativa da inflação no primeiro período e uma descida dos salários reais, sendo que é da natureza das "desvalorizações" afectar o rendimento disponível real das famílias pelo que será virtualmente impossível executar esta medida sem "afectar o rendimento real disponível das classes de menores rendimento, nomeadamente dos pensionistas com baixas pensões" a não ser via um aumento extraordinário dessas pensões (e dos salários mais baixos ?) que, no contexto actual, seria imprescindível compensar através de medidas adcionais de aumento da receita ou corte da despesa.

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