quarta-feira, 11 de maio de 2011

Ler os outros: Desvalorização fiscal - um alerta

Vale a pena ler este post do Vítor Bento sobre a questão da proposta de redução da TSU em que defendendo a bondade da ideia considera: i) em primeiro lugar que "uma tal medida ou é a sério ou será ineficaz e, como tal, contraproducente", considerando que "uma «desvalorização» de menos de 5% não valerá sequer a pena ser considerada, pois não produzirá efeitos sensíveis na competitividade das empresas" e ii) em segundo lugar que se essa medida "não for acompanhada de medidas que obriguem a que tal benefício seja reflectido no abaixamento dos preços do sector não transacionável, acabará por ser mais um bónus à rentabilidade deste sector, agravando a inclinação dos incentivos económicos em seu favor e apertando ainda mais o «nó cego» da economia". Recordando que "uma desvalorização (real) funciona através de 2 mecanismos: a) alteração do preço relativo entre transaccionáveis e não transaccionáveis, em favor dos primeiros, e que resulta de a desvalorização da moeda inflacionar o seu preço expresso em moeda nacional; [e] b) redução do salário real, como resultado da inflação produzida pela elevação dos preços dos bens e serviços não transaccionáveis expressos em moeda nacional".

Afirmações com as quais concordo e que me suscitam algumas reflexões.

Em primeiro lugar a proposta do PSD de redução de 4 pp não está assim tão longe dos referidos 5 pp, sendo que o financiamento de uma redução mais elevada me parece problemático, como o debate tem vindo a demonstrar.

Em segundo lugar, este post chama correctamente a atenção para as diferenças substanciais entre o impacto desta medida de "desvalorização fiscal" e de uma "desvalorização cambial", sendo que num cenário (realista) de resistência dos preços do sector dos não transaccionáveis a uma descida nominal dos preços (antes de IVA) o efeito que seria desejado de alteração dos preços relativos dificilmente se produzirá. Mais, a descida da TSU tenderá a beneficiar sobretudo os sectores em que a massa salarial tenha um maior peso, o que poderá significar que, contrariamente ao que se pretenderia tenderia a priveligiar, pelo menos, alguns dos sectores não transaccionáveis.

Não obstante, o facto de a medida ser introduzida num contexto de (forte) redução da procura interna tenderá a atenuar a tendência para que a redução da TSU se reflectir em salários mais elevados neste sector e a limitar os receios de realocação de factores produtivos para o sector não transaccionável. Além disso, admito que, pelo menos nos sectores regulados, as entidades reguladoras possam "forçar" que os preços (antes de IVA) praticados reflictam a redução dos gastos com as contribuições sociais nos preços praticados e penso que, como aliás se defende no documento do Banco de Portugal, a implementação desta medida poderá (e deverá) ser complementada por medidas que estimulem a concorrência de modo a maximizar a transmissão da descida da TSU aos preços.

Finalmente, embora não constitua um instrumento "ideal" e seja, quanto a mim, errado alimentar expectativas exageradas quanto a um efeito milagroso sobre a competitividade e o emprego, a verdade é que no contexto actual não vislumbro muitas outras opções (aparte a redução dos salários nominais) que possam ter um efeito imediato sobre a competitividade.

4 comentários:

João Galamba disse...

Caro João Pedro,

Se a medida é pouco eficaz, em vez de dizer que não vê outras medidas de efeito imediato, não seria mais correcto criticar aqueles que acham que faz sentido procurar soluções imediatas?

não seria mais correcto proceder a uma análise custo-beneficio para avaliar a medida? Sabemos os custos (1600 milhões/ano) e os beneficios ou são reduzidos ou nulos. se assim é (e o João parece concordar) a única posição consistente passa por rejeitar a medida. ou melhor, como a medida consta do MOU, o melhor será defender a menor redução possível, pois esta é a única posição que minimiza o desperdício de dinheiros públicos associados a este projecto de 'investimento'

cumprimentos,
joao galamba

João Pedro Santos disse...

Caro Joao Galamba,

Muito obrigado pelo seu comentário. Não penso que a medida não tinha efeito, mas apenas que será errado esperar um efeito milagroso. Os principais objectivos do post era chamar a atenção para as diferenças entre a "desvalorização fiscal" e uma "desvalorização cambial" e chamar a atenção para os aspectos que podem ser mais importantes para o impacto da medida.
Concordo que será importante ideia estudar e preparar correctamente a medida, quanto à análise custo benefício é errado compará-la a um projecto de investimento ou um desperdício de dinheiro público. O que está aqui em causa é decidir entre duas formas alternativas de financiamento da segurança social que têm consequências diferentes em termos de distribuição do rendimento das famílias (consumidores) paras as empresas, mas também nas decisões de investimento, criação de emprego e consumo dos agentes que podem ajudar a reajustar a economia. A questão principal é saber se estes ganhos justificam o sacrificio, pelo menos no curto prazo, da perda de rendimento real das famílias e o aumento das desigualdades associado ao efeito regressivo de aumento do IVA.

João Galamba disse...

João,

Disse projecto de investimento na medida em que o estado prescinde de 1600 milhoes/ano na expectativa futura de que o sector privado crie empregos e produza mais. No fundo é uma espécie de parceria publico privada: o Estado entrega $ ao sector privado em troca de beneficios. Tendo em conta a (baixa ou nula) eficácia da medida, parece-me um péssimo uso dos dinheiros públicos.

Isto é na parte dos beneficios. Na parte dos custos, e uma vez que a medida tem de ser financiada, poís ela leva a uma significativa descapitalização da segurança social, a coisa é ainda pior.

Cumprimentos

João Pedro Santos disse...

Caro João Galamba,

Muito obrigado pelo comentário. Dizer que não será correcto esperar um efeito "milagroso" não é o mesmo que dizer que a medida é pouco eficaz. E acima de tudo, aceitando que Portugal tem um grave problema de competitividade que é preciso corrigir a breve prazo a questão será saber se, num quadro em que não existe o instrumento capital, existe outro instrumento alternativo que possa ser utilizado e produza efeito no curto prazo.
Noto ainda que, embora deva obviamente ser analisada em termos de custo benefício, se trata aqui de uma alteração do modelo de financiamento da segurança social e que está portanto em causa uma transferência de recursos (das famílias para as empresas)e não de uma aplicação de recursos pelo que a lógica de análise é substancialmente distinta da de um projecto de investimento.